segunda-feira, 11 de setembro de 2017

“Educação terá que ser uma aposta forte do VII Governo de Timor-Leste!” - entrevista

Quem o afirma é M. Azancot de Menezes, um dos mais respeitados especialistas em educação do país.


No dia 22 de Julho de 2017 realizaram-se eleições legislativas em Timor-Leste. Durante mais de um mês, após o líder do Conselho Nacional da Reconstrução de Timor-Leste (CNRT), Kay Rala Xanana Gusmão, ter declarado que o CNRT iria para a oposição parlamentar, a Frente Revolucionária de Timor-Leste Independente (FRETILIN), partido mais votado, teve vários encontros com os restantes partidos políticos que ultrapassaram a cláusula de barreira dos 4%, nomeadamente o Partido de Libertação Popular (PLP), o Partido Democrático (PD) e o Kmanek Haburas Unidade Nacional Timor Oan (KHUNTO).

Estamos no mês de Setembro, já existe um novo Parlamento Nacional, e vários analistas políticos dão quase como certo a participação do CNRT no VII Governo Constitucional. É preciso não esquecer, se Mari Alkatiri governou a Região Administrativa Especial de Oécussi e Rui Maria de Araújo foi Primeiro-Ministro, tudo aconteceu com a “bênção” de Xanana Gusmão. Se Francisco Guterres (Lu´olo) foi eleito Presidente da República de Timor-Leste, a vitória concretizou-se com o apoio do Líder Histórico da Resistência Timorense. Portanto, com tantas evidências, sendo Xanana Gusmão o interlocutor internacional de Timor-Leste, o poder político do antigo comandante guerrilheiro é visível, sólido e está para durar.

Independentemente do que vier a suceder, a formação do VII Governo Constitucional será anunciada a qualquer momento, poderá trazer surpresas, e uma delas deverá ser o envolvimento de várias forças políticas partidárias.


O Jornal Tornado, depois da entrevista com o título “Timor-Leste precisa de um Plano Nacional de Formação de Quadros” realizada recentemente a Azancot de Menezes, um dos especialistas de educação mais reputados de Timor-Leste, decidiu no actual contexto político conhecer a opinião deste quadro superior timorense sobre o ”estado da educação” e sobre os principais desafios que na sua opinião se colocam ao Ministro da Educação que irá integrar o VII Governo.

VII Governo Constitucional timorense e a educação

Jornal Tornado: Dr. Azancot de Menezes, muito obrigado por ter aceite o nosso convite. O mundo testemunhará em breve a formação do VII Governo Constitucional timorense. Na sua perspectiva, quais são os principais constrangimentos e os desafios prioritários do próximo governo, nomeadamente no sector da educação?

Azancot de Menezes: Antes de mais começo por agradecer o convite formulado para mais este diálogo educacional e elogiar o Jornal Tornado, na pessoa do seu Director, pelo seu estilo de jornalismo, reflexivo, crítico, polémico e construtivo. Quero aproveitar esta oportunidade para felicitar todos os partidos políticos que concorreram às eleições, em particular os vencedores, mas também aqueles que não atingiram a cláusula de barreira dos 4%, fazendo votos para que os próximos governantes sejam mais pró-activos, nomeadamente no âmbito do processo de qualificação dos nossos recursos humanos.

Está a afirmar que os principais constrangimentos para o desenvolvimento de Timor-Leste são a escassez de recursos humanos devidamente qualificados?

Há outros constrangimentos, como não podia deixar de ser, mas, temos que assumir com clareza, sem preconceitos, com modéstia, não temos recursos humanos qualificados. Há um défice muito acentuado de quadros, pelo que, investir na educação e na formação de qualidade terá que ser uma das apostas fortes do próximo governo. A educação, tal como tem sido perspectivada nos últimos anos, por razões estruturais e conjunturais, não está a responder de forma eficaz e integradora aos desafios que se colocam a um país que precisa de concretizar o salto qualitativo e colocar-se no patamar de outros países em desenvolvimento.

Quer concretizar melhor a sua ideia?

Com certeza! Tenho defendido junto dos meus pares que o país necessita com carácter de urgência de uma instituição afecta ao Ministério da Educação que seja responsável pela componente da investigação e inovação, incentivadora e potenciadora do estudo integrado e da reflexão crítica sobre todo o processo educativo, naturalmente, numa perspectiva interdisciplinar.

Criação de uma comunidade científico-educacional nacional

Investigação e inovação, reflexão crítica, perspectiva interdisciplinar… quer explicar-se melhor?

Muito bem, tentarei ser mais explícito, desde logo, colocando algumas questões problematizadoras. O que é que tem sido feito em Timor-Leste para a criação de uma comunidade científico-educacional nacional e para o desenvolvimento da inovação pedagógica? O que é que tem sido feito para a concepção e produção de sistemas e instrumentos de avaliação pedagógica, institucional e curricular, tendo em vista o sucesso educativo e a melhoria da qualidade de ensino e formação? O que é que existe ou está programado para o apoio científico e educacional à educação pré-escolar e escolar?

Na sua opinião o que se faz está muito aquém do que seria necessário para a melhoria da qualidade das escolas e para o sucesso educativo em resposta aos desafios da evolução e da mudança social, económica e política de Timor-Leste?

Note bem, o país começou a viver um processo de reforma curricular, na minha opinião, errada, devido à pressão de alguns sectores políticos, impulsionados por critérios subjectivos e demagógicos, sem qualquer fundamentação científica e didáctico-pedagógica. Os resultados foram, continuam a ser desastrosos e estamos a aniquilar o desenvolvimento de uma geração, é triste e revoltante…

 Não estou a perceber…

Refiro-me em particular à questão da língua de ensino nas escolas! Um dos principais erros dos responsáveis pela  reforma curricular foi quererem eliminar o português nos primeiros anos de escolaridade. A redução acentuada do número de horas de ensino em língua portuguesa foi um erro elementar porque está provado, atente-se a Jean Piaget, é nos primeiros anos de vida que ocorrem as aprendizagens, a aquisição do conhecimento começa em tenra idade…

Reforma curricular em Timor-Leste

Há outros aspectos que na sua opinião estão errados relacionados com a reforma curricular em Timor-Leste?

O problema que se coloca, e também já o afirmei com persistência, decorre do facto do currículo ser olhado quase sempre de forma muito redutora. Isto acontece em outros países mas em Timor-Leste esta tendência começa a ser preocupante. Temos que estar atentos à evolução do conceito de currículo, associado às práticas de gestão curricular, às mudanças no papel da administração nas escolas, às práticas dos professores, dos directores e dos inspectores escolares e à flexibilidade curricular.

Os responsáveis pelas políticas educativas têm que perceber, o currículo é dinâmico, e existem vários níveis e campos de decisão curricular. Aliás, a Lei de Bases da Educação do país advoga o reconhecimento da autonomia das escolas expressa na elaboração de um projecto curricular que integre o projecto educativo de escola, um documento que deve reflectir a filosofia psico-pedagógica da escola e a identidade das comunidades educativas locais. Portanto, temos que fazer um apelo à inovação, ao desenvolvimento curricular e à investigação em ciências da educação, e nada disto está a acontecer!

Uma investigação em ciências da educação ao serviço exclusivo do Ministério da Educação de Timor-Leste para responder aos desafios de que falou? É isso que está a defender?

Exacto! Não se confunda com a investigação que deve ser realizada pelas Instituições de Ensino Superior, nem com o trabalho que deve ser desenvolvido pelo Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia (INCT) porque são aspectos complementares. O objecto e os objectivos dessas instituições são diferentes… o que estou a recomendar é que o  Ministro da Educação do VII Governo Constitucional crie um instituto que tenha por principal missão promover a investigação científica como suporte à inovação e ao desenvolvimento educacional, para realizar e divulgar estudos, pareceres e recomendações sobre a relevância do conhecimento científico-educacional e das boas práticas profissionais. Repare, em Timor-Leste ainda não se faz reflexão crítica sobre o processo educativo!

E a reflexão crítica sobre o processo educativo é fundamental…

Naturalmente! É preciso definir os planos de preparação dos recursos humanos necessários à renovação do sistema educativo, para além de que os estudos sobre o conhecimento científico-educacional e das boas práticas são instrumentos fundamentais para a correcta decisão institucional e política, tendo em conta as finalidades da política educativa e os objectivos do estímulo à investigação e à inovação. Nós temos deficiências na qualidade da docência, na administração das escolas, na área da inspecção escolar, etc., desde o ensino pré-escolar até ao ensino superior, mas, não há investigação, nem estudos, nem recomendações para ultrapassarmos essas dificuldades!

Renovação do sistema educativo

Dr. Azancot de Menezes, esta entrevista já vai longa, mas, antes de terminarmos, para elucidarmos melhor os nossos leitores, quando se refere à importância da realização de estudos em educação para renovar o sistema educativo está a referir-se a que áreas, em concreto?

Refiro-me a estudos que contribuam para a inovação e o desenvolvimento educacional em áreas tão diversas como o currículo e as estratégias de ensino, mas também no âmbito da organização e gestão escolar, no quadro da avaliação das instituições escolares, no domínio da avaliação pedagógica, sobre o insucesso escolar, sobre as necessidades educativas especiais, no âmbito da formação de professores, no campo da educação pré-escolar, entre outras.

Há um mundo por explorar…

Correcto! E tudo poderia acontecer numa perspectiva de aproveitamento de sinergias, em articulação com os demais serviços competentes do Ministério da Educação, nomeadamente o Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia (INCT), o Instituto Nacional de Formação de Docentes e Profissionais da Educação (INFORDEPE), a Agência Nacional para a Avaliação e Acreditação Académica (ANAAA), e com instituições de ensino superior e entidades públicas ou privadas de investigação em educação e de ciências da educação, nacionais e internacionais.

Bem, ficamos por aqui, Dr. Azancot, muito obrigado, fazemos votos para que o ministro da educação do VII Governo Constitucional leia esta importante entrevista.

Eu é que agradeço. É um gosto discutir e partilhar ideias sobre educação.

J.T. MATEBIAN, EM TIMOR-LESTE - Correspondente em Timor-Leste.

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*M.Azancot de Menezes, Díli, é professor universitário e Secretário-Geral do Partido Socialista de Timor (PST). Também colabora no Timor Agora.

2 comentários:

Unknown disse...

Acabei de ler esta entrevista. Grande preocupação!
O Dr. M. Azancot Menezes, que, supostamente, é “um dos mais respeitados especialistas em educação do país” está a aproveitar esta entrevista para fazer propaganda negativa em relação ao novo currículo do Ensino Básico em Timor-Leste. Porquê? Não sei. Talvez por questões políticas. Talvez por questões económicas privadas. Mas o que sei, com certeza, é que as suas opiniões não são fundamentadas.
O Senhor Menezes, consultor na Unidade do Currículo Nacional, e outro, são contra o novo currículo, alegando apenas que que este currículo reduz as horas de ensino da língua Portuguesa nos primeiros anos de escolaridade. Segundo ele, esta opção provoca “resultados destroçados”. Mas o mais incrível é que baseiam esta opinião nos resultados do psicólogo Jean Piaget.
Mas analisemos a realidade. Primeiro, justificar escolhas para um sistema educativo, em 2017, numa teoria de 1936, não será absurdo? E além do mais, os resultados de um programa curricular ou de outro não são bons ou maus, apenas porque uma teoria o afirma. Principalmente, uma teoria tão antiga e, francamente, desatualizada. Utilizar um psicólogo como Jean Piaget para justificar uma opinião, em 2017, especialmente num país como Timor-Leste, é ridículo. Principalmente se conhecer um pouco mais o trabalho de Jean Piaget. A sua pesquisa é, realmente, base de muitas das teorias mais modernas, precisamente pelas suas ideias sobre o desenvolvimento cognitivo das crianças e pela sua teoria de que as crianças não pensam da mesma maneira que os adultos. Mas, atualmente, a maior crítica a Jean Piaget acenta no facto de ele ter utilizado um grupo socioeconómico muito pequeno nas suas investigações, nas quais incluiu os seus próprios filhos. Muitos pontos das suas teorias são, neste momento, desprovidos de sentido, pela simples razão de que não são válidos para outras culturas. Talvez as elites portuguesas queiram seguir as ideias de Jean Piaget, mas, de facto, muitos dos aspetos não são relevantes numa cultura tão diferente como a de Timor-Leste. E as suas ideias de que o meio ambiente e os adultos/professores não têm muita influência no desenvolvimento da criança são completamente contra os modos mais modernos de pensamento.
Outro grande erro na declaração do Sr. Menezes é utilizar as ideologias de Piaget para falar sobre aquisição de língua. A aquisição de uma língua ou, no caso de Timor-Leste, uma ou mais línguas é um processo complicado. Principalmente, se essas línguas forem ambas novas para a crianças, uma vez que muitas vezes não são as línguas faladas em casa. Todos os anos surgem mais e mais informações sobre a aprendizagem de uma língua. Por isso, para analisar esta questão, seria melhor ouvir aquilo que os verdadeiros especialistas em aquisição de língua, os linguístas aplicados, têm vindo a dizer mais recentemente. Em vez de, tentar manipular teorias gerais e antigas sobre o desenvolvimento cognitivo, de forma a tentar provar um ponto de vista. (cont)

Unknown disse...

Ora bem, estava para não responder à Sra. Justa mas o imperativo pedagógico de bem esclarecer foi mais forte.
Sra. Justa, o seu comentário carregado de emoção (porque será?!), ao ponto de fazer juízos de valor sobre a minha pessoa, que nem sequer conhece, alegando que talvez houvesse como motivações “questões políticas” ou “questões económicas privadas” demonstra que não está habituado/a a discutir em público, e provavelmente em privado, porque para V. Exa. as questões de ordem ética e de princípios não são valorizadas.
Apetece-lhe julgar e aí vai disso...mas, eu, ao contrário de si, não irei fazer julgamentos à sua pessoa, pelo contrário, irei esclarecer alguns aspectos da entrevista que me parece não ter compreendido no seu todo, aliás, mostrou grande inquietação por ter afirmado que foi um erro eliminar o português no ensino primário. Pois, digo e repito mil vezes, foi um erro elementar!
A Sra.Justa (já agora, porque razão não dá a cara e apresenta-se como anónimo/a?) também afirmou que as minhas opiniões não são fundamentadas, chegando a desvalorizar os contributos de Jean Piaget, que na sua opinião “devem ir para o lixo..”.
A fundamentação das minhas opiniões decorrem dos conhecimentos que acumulei ao longo de muitos anos de vida académica (mestrado e doutoramento em educação, no primeiro caso em Supervisão e Orientação Pedagógica, e no segundo em Administração e Política Educacional), e uma vida profissional de 30 anos, para além de estudos de investigação em educação, e talvez por estas razões “ser um dos mais respeitados especialistas em educação do país”, algo que incomodou a Sra. Justa, vá-se lá saber as razões... Mas como para si o meu CV nada deve significar, esqueça-o! Vou cingir-me a alguns recortes de textos extraídos da net, não de 1936, mas de 2015 e 2017.
“Patricia Kuhl (2015), diretora do Instituto do Cérebro e de Ciências do Aprendizado da Universidade de Washington, nos Estados Unidos, demonstrou em sua palestra no Simpósio Internacional em Ciência para Educação, que é na infância, mais precisamente até sete anos, que o cérebro vive um período mágico para aprendizado de uma segunda língua”.
“Na maioria dos países europeus, os alunos começam a aprender línguas entre os seis e os oito anos de idade. Ou seja, logo no 1.º ano de escola. É o que diz a edição de 2017 do relatório “Key Data on Teaching Languages at School in Europe” que analisou o ensino das línguas estrangeiras em 42 países e regiões europeias”.
“A nível da UE, 83,8 % de todos os alunos matriculados no ensino primário no ano de 2014 estudavam uma língua estrangeira ou mais, o que corresponde a um aumento de 16,5 pontos percentuais desde 2005. Estes dados confirmam que os alunos estão a iniciar mais cedo a aprendizagem de uma língua estrangeira do que no passado (Rede Eurydice, 2017)”.
Sra. Justa, o estímulo das funções cognitivas, relacionadas ou não com a linguagem, como a memória, o pensamento, a fala, etc., ocorre sempre que uma criança se envolve na aprendizagem de outra língua. Por esta razão me referi a Jean Piaget.
Termino dizendo-lhe o seguinte: sou Secretário-Geral do Partido Socialista de Timor (PST) e em várias ocasiões critiquei politicamente a FRETILIN. Contudo, fiquei muito feliz ao ter tomado conhecimento das palavras recentes do Primeiro-Ministro, Dr. Mari Alkatiri, na defesa intransigente da língua portuguesa em Timor-Leste.
Disse.
Azancot de Menezes